Renata Da Silva Leite


GÊNERO E EDUCAÇÃO: FEMINIZAÇÃO DA DOCÊNCIA NOS CURSOS DE LICENCIATURA DA UPE - CAMPUS MATA NORTE, PERNAMBUCO


Introdução

Mediante as crescentes pesquisas acerca da temática Gênero no Brasil, desde o século XIX, o tema aqui abordado foi pensado afim de questionar e identificar não apenas os novos espaços conquistados e ocupados pelos diferentes sujeitos femininos, mas principalmente afim de identificar mudanças na mentalidade e costumes da sociedade pernambucana. A pesquisa toma como objetivo principal investigar o processo de feminização da docência, trabalhado por Janaína Almeida (1998), partindo da análise das atas de formandos que concluíram os cursos de licenciatura na UPE-CMN entre os anos 2000 a 2005.  O espaço de tempo escolhido para a realização da pesquisa foi pensado de acordo com o comportamento e mentalidade da sociedade brasileira, mais especificamente pernambucana onde, ao longo do século XX foram lentas, porém notórias, as conquistas sociais e políticas referentes ao sexo feminino e ainda era natural às mulheres o espaço privado do lar e opção por profissões naturalizadas como femininas. Dessa maneira, procura-se identificar, com a virada do século, quais mudanças houveram no imaginário da sociedade e no tocante ao campo educacional, o qual será tido aqui como instrumento de emancipação dos sujeitos, levando-o assim a optar por uma profissão, no caso as licenciaturas. Dessa maneira, repensar Gênero associando-o à Docência no espaço e tempo aqui estabelecidos, além de tratar o debate partindo de uma história geral para uma história local, servirá para nos situar dentro de um debate mais amplo e também de uma luta crescente e constante para alterarmos os rumos da nossa própria história. 

FACULDADE DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE NAZARÉ DA MATA

Pensar uma educação emancipatória para a região de Nazaré da Mata exigiu o desenvolvimento de outros setores do município como, por exemplo, política e economia as quais se encontravam estreitamente relacionadas com o desenvolvimento educacional. A região viu o auge do seu desenvolvimento político entre as décadas de 1950 e 1960 com duas grandes personalidades políticas da época: o Governador Paulo Pessoa Guerra e Monsenhor Petronilo Pedrosa. 

O primeiro, natural de Nazaré da Mata, fez sua carreira educacional e política na cidade do Recife. Em função do movimento político de 1964 e a cassação de Miguel Arraes, Guerra assume o governo de Pernambuco. Monsenhor Petronilo, natural de Timbaúba, realizou parte de seus estudos em Nazaré da Mata e vindo de família religiosa, cursou teologia no Seminário Nossa Senhora de Lourdes em Olinda. Na função de padre, desenvolveu uma série de atividades sociais e pedagógicas em Nazaré da Mata e nos municípios próximos, estreitando assim seus laços com a população local.

Atuantes em um mesmo período, porém com personalidades e por caminhos diferentes, o que unia Monsenhor Petronilo e o Governador Paulo Pessoa Guerra era o empenho em desenvolver Nazaré da Mata, principalmente por meio da educação. Muito cedo Monsenhor identificou a necessidade em levar o ensino superior ao município pois era muito comum que a população local parasse os estudos no nível secundário ou tivesse que se deslocar para a capital para dar continuidade em outras modalidades de ensino, alguns nem mesmo retornavam à cidade natal devido às novas aspirações e conquistas. 

Paulo Guerra, assim como Pe. Petronilo, via em Nazaré da Mata potencial para desenvolvimento devido sua localização privilegiada e densidade populacional. Cruzados os objetivos de Petronilo e Guerra, teve início a luta pela conquista e construção da Faculdade vinculada a Fundação de Ensino Superior de Pernambuco. Monsenhor utilizou de sua influência com as elites educacionais, governamentais, e religiosas, e também através do jornal da cidade, no qual também atuava.  Dessa forma, entendemos que a conquista de uma instituição de ensino superior que proporcionasse o desenvolvimento e crescimento local foi fruto das lutas e trajetória política do Monsenhor Petronilo e do Governador Paulo Pessoa Guerra, ambos com estreita relação com o município de Nazaré da Mata e com seu povo.

Criada segundo o decreto de lei N° 1.357 de 28 de dezembro de 1966, a Faculdade de Formação de Professores Campus Mata Norte, fica localizada no município de Nazaré da Mata, em Pernambuco. Com cerca de 50 anos de atuação, tem o compromisso em levar uma educação de caráter emancipatório capaz de promover os sujeitos da região. Dessa maneira, a instituição contribui ativamente para o desenvolvimento do estado, atendendo mais de 40 municípios entre Nazaré da Mata, Recife, Olinda e Jaboatão dos Guararapes, formando e oferecendo mão de obra qualificada para atuar no campo educacional.

O Campus Mata Norte nos chama atenção para investigação proposta por essa pesquisa, por atuar durante muitos anos na formação direta de profissionais professores e professoras – profissão tida durante muitos anos como voltada para o público feminino como defendido por Guacira Lopes Louro (2009) e por Janaína Almeida (1998).

O campus Mata Norte, devido à sua localização possui estreita relação com os homens e mulheres do interior do Estado, os quais muitas vezes se apresentam como reféns de uma má administração política, possuem suas realidades distanciadas de um ensino superior, público e de qualidade, e muitas de suas possibilidades de emancipação pessoal se alternam entre a agricultura e demais trabalhos desenvolvidos nas propriedades rurais, o artesanato e a pequena indústria têxtil, como apontam os níveis de desenvolvimento econômico, disponibilizados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística sobre os principais municípios atendidos pela instituição. 

Nesse mesmo cenário, porém, apenas em relação às mulheres, objeto de estudo valioso para esse trabalho, o desenvolvimento do trabalho doméstico, o magistério e as atividades na saúde pública, entre outras atividades muitas vezes passadas de geração em geração em meio às mulheres da família, são consideradas os meios de emancipação pessoal do público feminino.
Assim a chegada da Instituição de Ensino Superior – IES – à Zona da Mata Norte deve ser encarada não apenas como uma conquista em nível educacional, mas também, e principalmente, como uma nova possibilidade de emancipação pessoal para as pessoas daquele local, independente da divisão de gênero, agora por meio da educação superior pública como foi pensada por Pe. Petronilo e por Paulo Guerra.

Voltando ao contexto de atuação da UPECMN e ao público atendido, a oportunidade de emancipação levada aos homens e mulheres do interior se faz de fundamental importância se levarmos em conta o lento processo de desenvolvimento das cidades e municípios do interior se comparado às grandes capitais. Nessas regiões também se faz presente o forte processo de manutenção de pensamentos e costumes, muitas vezes reflexo de uma sociedade repressora, ao pensar o processo de emancipação do sujeito feminino. Prova disso são as possibilidades limitadas de atuação direcionadas ao público feminino antes da chegada da faculdade à região, já citadas com base no IBGE. 

Dessa maneira, a universidade vem colaborando para o desenvolvimento local e das regiões próximas chamando o público a atuar no campo educacional como professores ou ainda como pesquisadores. Nesse processo, procuraremos investigar a manutenção do processo de feminização da profissão professora partindo da análise dos documentos de ata dos alunos formados cedidos pelo setor de escolaridade da própria UPECMN. Será identificada a demanda, por gênero, das diferentes licenciaturas oferecidas pela instituição.

DEMANDA PELOS CURSOS DE LICENCIATURA DO CAMPUS MATA NORTE

A seguir, em tabelas, os números de formandos, divididos por gênero, e suas procuras pelos cursos de Licenciatura do Campus Mata Norte a fim de identificar o processo de feminização da docência nos anos iniciais do século XIX, objetivo da pesquisa. 


Tabela 1: Número de alunos entre homens e mulheres formandos nos cursos de Licenciatura da UPE-CMN no ano de 2000.


Tabela 2: Número de alunos entre homens e mulheres formandos nos cursos de Licenciatura da UPE-CMN no ano de 2001.


Tabela 3: Número de alunos entre homens e mulheres formandos nos cursos de Licenciatura da UPE-CMN no ano de 2002.


Tabela 4: Número de alunos entre homens e mulheres formandos nos cursos de Licenciatura da UPE-CMN no ano de 2003.


Tabela 5: Número de alunos entre homens e mulheres formandos nos cursos de Licenciatura da UPE-CMN no ano de 2004.

Tabela 6: Número de alunos entre homens e mulheres formandos nos cursos de Licenciatura da UPE-CMN no ano de 2005.

Ao partirmos de uma breve observação dos dados disponibilizados é possível relacionarmos afirmativamente, com a bibliografia inicialmente analisada, que confirma a existência de um processo de feminização da docência ao longo dos séculos XIX e XX mas também de uma supremacia do sexo masculino em detrimento ao sexo feminino nas questões sociais e culturais. Os dados aqui apresentados fazem referência aos primeiros anos do século XXI o que nos permite falar em uma crescente mudança nos valores e costumes da sociedade pernambucana associados a uma trajetória de luta, dos sujeitos femininos, para conquistar novos espaços na esfera pública.

Contudo, o processo de feminização aqui identificado não pode ser igualado com o que ocorreu no século anterior no Brasil, pois temos nesse espaço de tempo o crescimento de uma série de políticas públicas voltadas para as questões educacionais do país, as quais começaram a ser pensadas ainda na década de 60 e passaram a ser encaradas como questão política associadas ao desenvolvimento direto do país, que visando se desvencilhar do período de retrocesso instalado pelo Regime Militar mais tarde tratou de forjar programas que chamassem a população às salas de aulas dos diferentes níveis de ensino. É nesse contexto de Regime Militar que a Faculdade Formação de Professores irá surgir em Nazaré da Mata, fruto da união dos interesses do Pe. Petronilo com o governador Paulo Guerra – o qual tratou de criar mais duas faculdades no estado, em Petrolina e Garanhuns – os quais identificavam os aspectos favoráveis da região em abrigar a instituição e junto a isso a necessidade em gerar mão de obra ao mesmo tempo que permitia e ampliava o acesso à educação.

Dessa maneira, não podemos esquecer da localização da Universidade de Pernambuco Campus Mata Norte. Comprometida com os cidadãos de Nazaré da Mata e cidades próximas, a instituição tem a oportunidade de atender um público alvo, formado massivamente por mulheres, como aponta os dados, as quais muitas vezes encontram no exercício da docência – muitas já portadoras do magistério – uma forma de alcançar independência e emancipação, atuando em suas próprias cidades. Tal fato nos leva a pensar na possibilidade de saturação da profissão nessas regiões do estado de Pernambuco, na concorrência com o público masculino que também opta por tais áreas, além do surgimento de vínculos informais gerando desvalorização da profissão. 

E possível observar ainda que as turmas de licenciatura em matemática, curso que possui grande adesão masculina, nas quais o número de mulheres formadas supera ou se iguala aos homens, em sua maioria são turmas que contaram com alunos especiais ou retardatários, ou seja, que colaram grau atrasados. Tal fato nos faz refletir a respeito das infinitas problemáticas enfrentadas principalmente pelo sujeito feminino na hora de encarar uma jornada de estudos e concluí-la, devendo conciliá-la muitas vezes com as atividades maternas, conjugais e/ou do lar as quais juntas formam as famosas duplas jornadas de trabalho cansativas, desgastantes e que atingem o público feminino de maneira massiva. 

Nas turmas dos cursos de pedagogia ainda é possível notarmos a presença massiva feminina, chegando a haver turmas formadas por mulheres em sua totalidade, e é também um dos cursos que preenche todas as vagas durante os dois semestres letivos da universidade, ou seja, possui uma demanda maior que os demais cursos. A evasão masculina dos cursos de pedagogia pode ser associada a construção social, também vinda do século XIX, de que “as mulheres tinham, “por natureza”, uma inclinação para o trato com as crianças, que elas eram as primeiras e “naturais educadoras”, reforçando assim o discurso de feminização da docência, na época feminização do magistério. 

Dessa maneira, os dados referentes ao número de alunos concluintes dos cursos de licenciatura do Campus Mata Norte, nos permite notar a existência e manutenção, ainda no século XXI, do processo de feminização da docência identificado no Brasil por volta do século XIX. Porém entre os anos investigados não é possível identificar se houve oscilações na demanda dos cursos, pois os números são bastante variados e entre os semestres não existe uma regularidade no número de formandos, havendo quase sempre no primeiro semestre do ano letivo o maior número de formações.  

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao colocarmos em discussão a posição do sujeito feminino frente à educação superior e suas trajetórias para chegar até aqui, vemos os caminhos de retrocessos, lutas e muitas conquistas que entrelaça a história das mulheres no Brasil com a história da educação, tornando essa discussão necessária e cada vez mais contemporânea.  Apesar da existência do processo de feminização da docência em Nazaré da Mata, temos aqui o acesso à educação superior assumindo o caráter de luta por emancipação e autonomia, independente de gênero, o que representa, ainda no século XXI no Brasil, a ausência de uma educação democrática, descentralizada e igualitária, porém com crescentes lutas frente uma série de reivindicações da própria população, como foi o caso de Pe. Petronilo Pedrosa, importante personagem para o período e contexto histórico aqui estudado. Nos é possível ainda falar em uma lenta, porém notória e crescente mudança no comportamento da população, acerca da inserção das mulheres no mercado de trabalho e no campo educacional, mas principalmente nas salas de aula do ensino superior. 

As políticas educacionais associadas às lutas e conquistas do sujeito feminino, juntas, trataram de levar as mulheres não apenas para as salas de aula, mas também para novos espaços na esfera pública, espaço tomado há muito tempo como puramente masculino. O processo de feminização aqui identificado como manutenção de velhos pensamentos e comportamentos sociais deve agora ser pensado, à luz de uma sociedade que busca emancipar seus sujeitos por meio do acesso à educação e profissionalização. 

Tais fatos devem ser analisados com cuidado e criticidade, pois Guacira Lopes Louro ao analisar o século XX, em suas obras, alerta para o fato de que tais avanços conquistados pelo público feminino na época – acesso à estudo e trabalho – também foram uma forma das camadas mais influentes de uma sociedade patriarcal, manobrar as mulheres, mantendo-as apenas naquele patamar socialmente reservado para elas e do interesse de outras camadas. Esse estudo nos permite pensar ainda em uma série de outras questões envolvendo gênero e docência, as quais permanecem em aberto e se relacionam intimamente com a existência e continuidade desse processo de feminização da docência, tornando o Campus Mata Norte um ilimitado e rico campo de pesquisa.  

Referências

Renata da Silva Leite, Licenciada em história pela Universidade de Pernambuco Campus Mata Norte.

ALMEIDA, J. S. Mulher e educação: a paixão pelo possível / Jane Soares de Almeida. - São Paulo: Editora UNESP, 1998. - (Prismas).

ARAGÃO, C. M. KREUTZ, L. “A MULHER É NATURALMENTE EDUCADORA” Representações de professoras sobre a docência: entre discursos históricos e atuais. Caderno Espaço Feminino - Uberlândia-MG - v. 25, n. 1 - Jan./Jun. 2012 – ISSN online 19813082.

FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa / Paulo Freire. – São Paulo: Paz e Terra, 1996. 

FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS – CPDOC. Paulo Pessoa Guerra – Verbete Biográfico. Díponíve em: < http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-biografico/paulo-pessoaguerra>acesso em 20 de novembro de 2017.

LIMA, M. I. As contribuições do Mons. Petronilo para a cultura de Nazaré da Mata.Nazaré da Mata: Universidade de Pernambuco. Pós graduação em história do Nordeste, 2003. P 18.

LOURO, G. L. Mulheres na sala de aula. In:______.História das mulheres no Brasil / Mary Del Priore (org.); Carla Bassanezi (coord. de textos) 9. ed., 2° reimpressão – São Paulo: Contexto, 2009.

RAGO, M. As mulheres na historiografia brasileira. In: Cultura Histórica em Debate. São Paulo: UNESP, 1995.

SOIHET, R.; PEDRO, J. M. A emergência da pesquisa da História das Mulheres e das Relações de Gênero. Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 27, nº 54, p. 281-300, 2007. Universidade Federal da Paraíba – João Pessoa – 31/07 a 03/08/2012 – Anais Eletrônicos – ISBN 978-85-7745-551-5.

UNIVERSIDADE DE PERNAMBUCO CAMPUS MATA NORTE. Graduação. Atas de Colação de Grau (cópias). Nazaré da Mata, PE, 2000.




2 comentários:

  1. Muito interessante observar o crescente número de mulheres que adentraram o ensino superior, buscando a partir da docência uma emancipação social, contudo, mesmo sendo um avanço, a imagem da mulher professora ainda é carregada de mentalidades retrógradas e que relacionam o magistério com "inclinações naturais" das mulheres ao cuidado e zelo, nesse sentido, até onde a abertura a docência é uma emancipação feminina? Além disso, em outras pesquisas, já se tem o debate que a precarização do magistério adveio ao mesmo mesmo tempo que as mulheres tomaram seus lugares nesses espaços, qual seu apontamento sobre essa questão?

    Isabelly Pietrzaki Pereira

    ResponderExcluir
  2. Muito interessante essa reflexão. Parabenizo você pelo trabalho. Acho que é extremamente importante pensar questões de gênero, principalmente por entender que esses papéis não são construídos de forma aleatória. A minha pergunta é também uma sugestão: as questões de gênero que permeiam os campos de formação em licenciaturas são inegáveis,você tem algum tipo de debate sobre a distribuição nas diversas áreas? Por exemplo, porque mais homens integram as turmas de matemática e o curso de pedagogia é uma tendência feminina? Dando margem à um outro aspecto que é a diversidade sexual, porque os homens que fazem o curso de pedagogia são taxados como homossexuais? Estabelecendo que a escolha de um curso leva a construção de uma imagem que estabelece parâmetros na diversidade sexual dos indivíduos.

    Emerson Melquiades Ribeiro

    ResponderExcluir

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.