POTENCIALIDADES DO USO DO CINEMA NO ENSINO DE HISTÓRIA: FICÇÃO, REPRESENTAÇÕES DE GÊNERO E CULTURA HISTÓRICA
A produção cultural resultante da relação entre história e cinema é rica, extensa e problemática. Inúmeras produções fílmicas situam suas narrativas no passado, como mera ambientação romantizada, de maneira a explorar aspectos biográficos de personagens célebres e/ou engendrar enredos de eventos considerados relevantes; construindo, assim, percepções históricas a partir da concatenação de recursos audiovisuais. Não é por acaso que filmes são comumente usados como recurso didático no processo de ensino e aprendizagem histórica e para fins de contextualização e/ou problematização em outras áreas de conhecimento.
Por outro lado, como são essencialmente expressões de um grupo de desenvolvedores – diretores, roteiristas, produtores, estúdios, etc.; convém salientar que as narrativas fílmicas podem priorizar outros aspectos a qualquer compromisso acadêmico de investigação histórica, dentre os quais a composição estética, o valor de entretenimento e as aplicações simbólicas ou líricas. Assim, tratar da história no cinema pode ser controverso, embora seja um esforço necessário, uma vez que estes filmes repercutem no imaginário do público e contribuem para a composição da cultura histórica de uma sociedade.
Pela força de seus recursos técnicos e sua capacidade de perpetuar imagens icônicas dos temas filmados, é válido observar que a linguagem cinematográfica se revela capaz de construir e perpetuar percepções sobre determinados períodos históricos. Além disso, a partir das escolhas do que se exibe ou se oculta em cada cena; do que é explícito ou invisível em cada narrativa; do que é incluído ou excluído de cada enquadramento; o filme produz um recorte, construindo uma memória visual demarcada por intencionalidades, nem sempre deliberadas. Essa memória visual, por conseguinte, torna-se referência para a cultura histórica.
Em conformidade com o que defende Rosenstone (2015, p. 18), ainda que saibamos que uma trama gira em torno de protagonistas fictícios ou apenas parcialmente baseados em indivíduos reais, filmes históricos afetam significativamente a visão da tessitura de nossa realidade. O cinema é, afinal, como outros espaços simbólicos, um exercício de reflexão, um pensar-se estético e narrativo. Isto posto, é válido ponderar sobre o lugar ocupado pelo cinema em nossa cultura e na constituição de nossos parâmetros. Por conseguinte, também é pertinente refletir sobre as potencialidades do uso dos filmes históricos no âmbito do ensino de história – propósito do presente texto.
Filme histórico é aqui compreendido enquanto modalidade narrativa. A rigor, todo filme é histórico e representacional, na medida em que pode ser tomado enquanto uma fonte documental sobre o período e/ou circunstâncias em que foi produzido (NAPOLITANO, 2011, p. 67). Mas aqui o propósito é pensar em filmes que são históricos no sentido que representam eventos e personagens históricos, ou seja, filmes que possuem temática histórica, colocando indivíduos – “reais” ou ficcionais – no centro do processo histórico. Nas palavras de Rosenstone:
“Concentrando-se em pessoas documentadas ou criando personagens ficcionais que são colocados no meio de um importante acontecimento ou movimento (a maioria dos filmes contém tanto personagens reais quanto inventados), o pensamento histórico envolvido nos dramas comerciais é, em grande parte, o mesmo: indivíduos (um, dois ou um pequeno grupo) estão no centro do processo histórico.” (ROSENSTONE, 2015, p. 33)
Peter Burke assinala que o poder de um filme, de temática histórica ou não, é proporcionar ao espectador a sensação de testemunhar os eventos, ainda que tal sensação seja ilusória. “O diretor molda a experiência embora permanecendo invisível. E o diretor está preocupado não somente com o que aconteceu realmente, mas também em contar uma história que tenha forma artística e que possa mobilizar os sentidos de muitos espectadores.” (BURKE, 2004, p. 200) Tal premissa é fundamental para discutir as possibilidades e tensionamentos entre cinema e discurso histórico. Para Burke, tal como uma história escrita ou pintada, a história filmada também constitui um ato de interpretação; indo além, no caso específico dos filmes históricos, trata-se de um ato de “interpretação histórica”.
“[...] a história filmada oferece uma solução atraente para o problema de transformar as imagens em palavras [...]. Aquilo que o crítico americano Hayden White chama “historiophoty”, definida como “a representação da história e nosso pensamento sobre ela em imagens visuais e discurso filmado”, é complementar à “historiografia”.” (BURKE, 2004, p. 201)
Portanto, tomado enquanto ato de interpretação histórica e complementar à historiografia, não resta dúvida sobre o potencial dos usos do cinema como ferramenta histórica e analítica. Para Ferro: “Entre cinema e história, as interferências são múltiplas, por exemplo: na confluência entre a História que se faz e a História compreendida como relação de nosso tempo, como explicação do devir das sociedades.” (FERRO, 2010, p. 15) É nesta perspectiva que a ficção histórica possibilidade a abordagem de múltiplas facetas da vivência humana, incluindo as representações das diferenças sexuais e de cultura histórica, as quais podem ser discutidas e pensadas à luz dos estudos de gênero.
GÊNERO, CULTURA HISTÓRICA E CINEMA
O conceito de gênero tem sido uma categoria utilizada e difundida de forma crescente, sobretudo a partir da década de 1960. Matos destaca que a proposta relacional deste conceito ressalta que “a construção do feminino e masculino define-se um em função do outro, uma vez que se constituíram social, cultural e historicamente em um tempo, espaço e cultura determinados.” (MATOS, 2005, p. 21-22) Essa perspectiva remete às reflexões tecidas mais largamente pela historiadora e feminista estadunidense Joan Scott ainda em meados da década de 1980, fundamentais para os estudos feministas e de gênero no Brasil.
Em seu texto Gênero: uma categoria útil para análise histórica, Scott pontua que a categoria gênero deve abarcar não apenas as definições biológicas e/ou as relações de parentesco, mas também o mercado de trabalho e os sistemas educacional e político, esferas estas sexualmente segregadas e socialmente masculinas. Para a autora, as relações entre os sexos são construídas socialmente e correspondem às mudanças nas representações de poder – nos chamados “campos de força sociais”. Em suas palavras: “(1) o gênero é um elemento constitutivo de relações sociais baseadas nas diferenças percebidas entre os sexos e (2) o gênero é uma forma primária de dar significado às relações de poder.” (SCOTT, 1995, p. 86)
Diante do pressuposto de que as relações de gênero são um elemento constitutivo das relações sociais baseadas nas diferenças hierárquicas que distinguem os sexos, devem ser observadas como uma forma primária de relações significantes de poder, ainda segundo Matos e Scott, evitando-se as oposições binárias fixas e naturalizadas. Este viés rompe com uma leitura determinista e/ou biologizante: ser homem e ser mulher vai além da existência de um corpo masculino e feminino. Segundo Nicholson:
“Defendo que a população humana difere, dentro de si mesma, não só em termos das expectativas sociais sobre como pensamos, sentimos e agimos; há também diferenças nos modos como entendemos o corpo. Consequentemente, precisamos entender as variações sociais na distinção masculino/feminino como relacionadas a [...] diferenças ligadas não só aos fenômenos limitados que muitas associamos ao “gênero” (isto é, a estereótipos culturais de personalidade e comportamento), mas também a formas culturalmente variadas de se entender o corpo.” (NICHOLSON, 2000, p. 14)
Compreender as políticas e demarcações relacionadas ao corpo é essencial para os estudos de gênero, também no âmbito imagético, porque os usos e papéis relacionados aos corpos imaginados remetem à estereótipos culturais pertencentes aos corpos reais. Nesse viés, Lauretis propõe pensar o cinema enquanto uma das várias “tecnologias de gênero”: “[...] com o poder de controlar o campo do significado social e assim produzir, promover e ‘implantar’ representações de gênero” (LAURETIS, 1994, p. 228).
Não por acaso Ferro (1975, p. 13) observa que o cinema abre um caminho régio em direção das zonas psico-sócio-históricas nunca alcançadas pela análise dos documentos convencionais. Com efeito, ao escolher filmes que se utilizam de referências históricas para a sustentação dos seus enredos, no uso público dessas diversas balizas, entendemos que se encontram, entrecruzados, tensionamentos entre os parâmetros culturais dos grupos envolvidos e os padrões de produção e consumo midiático, próprios a um objeto da indústria cultural contemporânea – nesse caso, o cinema, aqui tomado especificamente enquanto veículo tecnológico de gênero.
De forma alguma isento, um filme dissemina suas predileções e valores, reificando-as, o que justifica a relevância de se discutir como o cinema nacional representa as relações de gênero e as diferenças sexuais e como define os papéis de homens e mulheres – tanto para a caracterização de época, quanto como padrão de comportamento para a contemporaneidade. A exemplo de Rossi (2017, p. 231), podemos questionar quais construções de gênero são frequentemente suscitadas, remarcadas e repetidas nas relações que se estabelecem socialmente no cinema.
“É de suma importância dar visibilidade a construções alternativas, romper a hegemonia das construções que já se tornaram naturalizadas e que, frequentemente, são confundidas com retratos, senão da realidade do que um gênero supostamente “é”, mas, de forma mais contundente, do que um gênero “deveria ser” para que tenha sua existência legitimada e reconhecida. [...] as implicações das imagens e produções cinematográficas enquanto “tecnologias de gênero” são concretas à medida que promovem e reforçam discursos que são recebidos, reconhecidos e internalizados na formação de comportamentos e na construção de noções identitárias do público, sendo ainda empregadas como indicadores da própria subjetividade.” (ROSSI, 2017, p. 231)
Há que se pontuar que tais imagens são múltiplas e exploram diferentes discursos e práticas de gênero. Não obstante seu potencial de reificação, as alternativas representacionais são diversas e exploram variadas possibilidades estéticas e narrativas para a composição de seus enredos, seus personagens, suas vivências e suas disputas – mesmo quando se trata de recompor o passado. Isto posto, faz-se necessário explorar tanto a composição das mulheres quanto a dos homens nas ficções históricas, sem desprezar suas nuances e relações com outros eixos, como sexualidade, raça e classe, numa perspectiva interseccional.
Como observam Shohat e Stam (2006, p. 313), muito embora questões de raça e etnicidade sejam culturalmente onipresentes, as mesmas estão muitas vezes ocultas em termos cinematográficos. Esses fatores, assim como as representações de gênero, classe ou raça, por exemplo, acabam funcionando como elementos que dão a conhecer tanto a experiência de um passado, quanto acabam estruturando uma narrativa que dá sentido – em maior ou menor grau – às experiências de vida na contemporaneidade. Cada interpretação possível, em cada filme, coloca-se como um veículo informativo de gênero – enfoque deste texto – mas não apenas.
O CASO DA COLONIZAÇÃO BRASILEIRA NO CINEMA
Embora o crítico de cinema Paulo Emílio Sales Gomes (1996, p. 7) atribua ao Brasil um interesse limitado pelo seu próprio passado, há uma produção relativamente ampla em torno do tema. O exemplo mais antigo é o filme O descobrimento do Brasil (Humberto Mauro, 1937), que busca traduzir as palavras da carta de Pero Vaz de Caminha em imagens épicas, embaladas pela trilha sonora de Heitor Villa-Lobos, já sinalizando um interesse pelo gênero da ficção histórica. O romance histórico A Muralha (Diná Silveira de Queirós, 1954), por exemplo, recebeu cinco adaptações televisivas, em 1954 (Record), 1958 (TV Tupi), 1961 (TV Cultura), 1968 (TV Excelsior) e 2000 (Rede Globo).
Dentre as narrativas fílmicas do cinema ficcional histórico brasileiro, tomemos como recorte as produções que fazem referência ao período da colonização da América Portuguesa (1500-1815), ou seja, as narrativas fílmicas ambientadas no passado colonial, fundamentadas nesse recorte temporal ou que reportem ao mesmo; mais especificamente, ao passado da colonização da América Portuguesa, desde a chegada dos portugueses à América, em 1500, até a elevação do Brasil a reino par de Portugal, em 1815, fim oficial do período colonial – ainda que o período imperial tenha iniciado oficialmente em 1822, com a Proclamação da Independência.
Portanto, os filmes históricos selecionados são narrativas históricas referentes tematicamente ao período da colonização da América Portuguesa, entre 1500-1815, contando com personagens documentados ou fictícios. Desse recorte, resultam 22 longas-metragens, produzidos entre 1937 e 2014. Enredos biográficos, como Xica da Silva (Cacá Diegues, 1976) e Aleijadinho: paixão, glória e suplício (Geraldo Santos Pereira, 2003), misturam-se a comédias dramáticas, a exemplo de Carlota Joaquina, Princesa do Brasil (Carla Camurati, 1995). Narrativas de eventos pontuais como Batalha dos Guararapes (Paulo Thiago,1978) dividem espaço com a adaptação literária Desmundo (Alain Fresnot, 2003), por exemplo. O conjunto de filmes selecionados foi produzido a partir de diferentes intencionalidades e denota variadas perspectivas de narratividade e de enfoque histórico.
A narrativa estruturada em cada um dos filmes eleitos, de O descobrimento do Brasil (Humberto Mauro, 1937) até Vermelho Brasil (Sylvain Archambault, 2014) é uma teia formada pelos diferentes significados construídos pelos desenvolvedores, de forma dinâmica e aberta a diferentes tecnologias, conceitos e fenômenos– dentro dos limites da produção e difusão cinematográfica. Isso significa que a prática de construir narrativas históricas (no caso, os filmes históricos) se configura num espaço central da própria experiência de vida humana, uma vez que esta necessidade e este sentido possível de orientação temporal constrói uma espécie de conexão com os diferentes entendimentos do passado e nossas identidades atuais.
Desta maneira, ao se pensarhistoricamente ou produzir uma narrativa histórica, ainda que sob a forma de um filme que não possua a pretensão de desvelar o real, como é o caso das narrativas ficcionais; constrói-se um sentido para a vivência humana no mundo e o entendimento que se extrai dela – efetivamente, uma das principais potencialidades para seu uso no ensino de história. É nessa ótica que é possível explorar os tensionamentos das relações de gênero no cinema ficcional brasileiro, especificamente no que diz respeito às narrativas que têm como horizonte orientador o contexto colonizador português, conforme pontuado.
Enxergamos neste suporte narrativo um espaço de produção de sentido histórico, um espaço em que o olhar histórico de uma sociedade pode ser observado de maneira mais ampla. Trata-se de um espaço de cultura histórica que, para Rüsen, pode ser definido como: “formalmente, a estrutura de uma história; materialmente, a experiência do passado; funcionalmente, a orientação da vida humana prática mediante representações do passar do tempo” (RÜSEN, 2001, p. 160-161). Em particular, observamos que o cinema se destaca como forma artística e comunicacional de grande alcance em termos de público.
Voltados ao entretenimento e produzidos para o consumo em massa, os filmes dispõem de linguagens caracterizadas justamente pela capacidade de absorver novos conceitos e reformularem-se continuamente, sendo privilegiados para a elaboração de narrativas históricas. Isso pode ser notado na ampliação, relativamente recente, da produção de ficções históricas não apenas cinematográficas, mas também em séries televisivas, na literatura, nos quadrinhos e nos jogos eletrônicos. Os filmes aqui abordados estão inseridos neste fenômeno, altamente prolífico.
Existe uma relação direta entre os espaços de produção do conhecimento histórico e a constituição de uma racionalidade histórica. É ponto pacífico, pela própria fluidez de nossa relação com o tempo e com o “estudo dos homens no tempo”, para usar uma expressão de Marc Bloch (2001, p. 55), que o conhecimento e a racionalidade histórica não têm uma natureza linear e única, mas antes têm como base uma multiplicidade de possibilidades e alternativas. Isso porque, a relação que cada pessoa estabelece com o conhecimento histórico é fundada na proximidade constante de experiênciase na compreensão que são as questões do presente que se convertem em referencial para o passado, enquanto um suporte gerador de sentido para as diferentes vivências.
O saber histórico é dinâmico e traz consigo múltiplas narrativas e construções. Os filmes históricos nacionais em questão refletem esse caráter diverso e multifacetado, porque também são espaços de conhecimento histórico, não apenas pela temática histórica em seus enredos e narrativas (enquanto ambientação, fundamentação ou reportação), mas pela própria natureza do cinema, conforme já observado. Faz parte da reflexão sobre o conhecimento histórico, sua natureza e o espaço que ocupa em sociedade o espaço de “auto-reflexão, como retorno ao processo cognitivo de um sujeito cognoscente que se reconhece reflexivamente nos objetos de seu conhecimento, é por certo um assunto que pertence ao trabalho quotidiano de qualquer historiador” (RÜSEN, 2001, p. 25).
Isto posto, diante das intertextualidades entre conhecimento histórico e cinema, faz-se possível examinar as peculiaridades das estruturas estéticas e diegéticas dos filmes e suas potencialidades e limites em relação à cultura histórica, a fim de discutir o lugar destas narrativas em seu contexto de produção, bem como as possíveis contribuições no que diz respeito à discussão e possível desconstrução das representações de gênero que são apresentadas e que reificam variadas práticas sociais e culturais na contemporaneidade.
Ainda que pareça haver uma única representação possível do masculino e do feminino, legitimada pelas relações de poder, o gênero, enquanto categoria analítica, “fornece um meio de decodificar o significado e de compreender as complexas conexões entre várias formas de interação humana” (SCOTT, 1995, p. 89). Todavia, essa significação não deve ser lida como algo inscrito de forma unilateral em um sexo previamente dado, entendido como um simples suporte, conforme pontua Butler (2013, p. 25). Gênero deve designar também, no entender desta autora, o aparato de produção e estabelecimento dos próprios sexos – tão construídos e históricos quanto as relações de gênero e os conceitos de masculinidade e feminilidade.
As representações de gênero presentes nos filmes em questão, por exemplo, Como Era Gostoso o Meu Francês (Nelson Pereira dos Santos, 1971) ou Caramuru, A Invenção do Brasil (Guel Arraes, 2001), decorrem dessa complexa relação de força e de poder, produtora de sentido. Para observar como se fazem presentes tais representações, há que se eleger uma perspectiva interdisciplinar, sem desconsiderar as especificidades dos conhecimentos históricos, da arte, da cultura visual e da produção cinematográfica.
O estilo de um filme pode desvelar com razoável nitidez as tendências históricas da visualidade cinematográfica. Um estudo estilístico problematiza as escolhas feitas pelos cineastas em “circunstâncias históricas particulares” (BORDWELL, 1997, p. 4), revelando muito sobre como se configura uma identidade visual dentro de uma conjuntura maior: escolhas da esfera do micro (o filme enquanto obra individual), que repercutem na esfera do macro (tendências históricas do cinema). Dentre os aspectos que compõem essa segunda esfera, está a questão do gênero, no caso, a ficção histórica, responsável por muitas das decisões criativas que caracterizam uma produção.
Xica da Silva (Carlos Diegues, 1976) é uma cinebiografia altamente estilizada de Francisca da Silva, mulher nascida entre 1731 e 1735, filha da escrava Maria da Costa (escrava negra) e concubina do contratador de João Fernandes de Oliveira (ANDRÉ, 2007, p. 163). Xica da Silva, na visão de Gordon (2009, p. 2-3), opera pela lógica da alegoria, utilizando a imagem de Xica como figura simbólica do próprio Brasil, pois se envolve em uma relação com um ilustre português, o contratador, valendo-se desta relação para promover sua condição social e obter sua medida de autonomia e poder.
Nesse caso, a narrativa cinematográfica trata da ascensão e queda da personagem, utilizando uma estética marcada pela hipérbole, por visualidades extravagantes, uso frequente da musicalidade e humor irreverente. O filme é uma “celebração carnavalesca” e uma produção evidentemente política, embora não no sentido tradicional, principalmente por contrapor à solenidade europeia uma espécie de brasilidade espontânea e autêntica.
Esta brasilidade carnavalesca celebra o humor da protagonista, cujas demandas por extravagância e vingança são justificadas pelo tratamento que recebeu enquanto escrava. Seu riso e sua sexualidade são representados como libertadores, em oposição à hipocrisia de um meio social que há muito vivia a partir do trabalho forçado dos escravos. Ao final do filme, quando o contratador é convocado de volta a Portugal para responder por crimes de corrupção, deixando Xica desamparada e à mercê da intolerância e da hipocrisia do povo da região do Tijuco, a protagonista se mantém altiva e não se mostra disposta a abrir mão do riso e do exercício de sua sexualidade.
Por sua vez, Desmundo (Alain Fresnot, 2003) não se trata de uma abordagem carnavalesca, mas de um esforço naturalista. Também não se trata da biografia de um indivíduo histórico e mitificado, mas de uma personagem fictícia e que está situada em um posto de autoridade. Desmundo adapta o romance homônimo de Ana Miranda (1996), e concerne à narrativa de Oribela, uma órfã enviada à América Portuguesa, como muitas outras, a fim de casar-se com um colono.
Embora o envio das órfãs se imponha como uma ação caridosa do estado português e da igreja, ou ao menos se justifique dessa forma, a prática só é possível na medida em que as mulheres não são compreendidas como possuidoras da mesma autonomia que os homens. Para Dona Brites, personagem da narrativa, às órfãs lhes cabe ser submissas, e que casar é fácil, conquanto sejam obedientes. Sua função é fiar, tecer, gerar filhos, não abandonando o espaço da casa.
Com tais casos, buscamos pontuar que o cinema é tomado nesse texto como um agente social que influencia e é influenciado pela estrutura dinâmica do social, com suas disputas e tensionamentos. Enquanto canal midiático, constrói suas narrativas tendo como horizonte orientador os referentes sociais e culturais do meio no qual se insere.
CONSIDERAÇÕES OU PROVOCAÇÕES
Embora muitas das narrativas fílmicas em questão apresentem personagens femininas relevantes para a história, sua caracterização é frequentemente reduzida ou caricata, quando não apenas sexualizada e objetificada, como se vê em Caramuru, na construção de Paraguaçu e de Moema. Muitas dessas mulheres acabam por meio das lentes cinematográficas se tornando menos complexas, objetificadas, definidas por sua sexualidade e ambição.
Dos filmes selecionados apenas um foi dirigido por uma mulher: Carlota Joaquina, Princesa do Brazil, de Carla Camurati. Segundo o Boletim Raça e gênero no cinema brasileiro (1970-2016), produzido pelo Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, o cinema brasileiro está longe de ser um meio artístico-comercial diverso. Segundo os dados oferecidos pelo boletim, 98% dos filmes com mais de 500 mil espectadores produzidos foram dirigidos por homens.
Tal proporção é indicativa de quão ínfima ainda é a presença feminina no meio audiovisual brasileiro. Certamente, uma presença tão majoritariamente masculina no campo da produção cinematográfica nacional impacta no modo como as mulheres são apresentadas na tela. Qualquer análise futura sobre o tema das representações de gênero no cinema nacional deve contemplar esta questão. É com este debate que as presentes reflexões esperam contribuir, não somente no espaço acadêmico, mas também no âmbito do ensino de história.
Ainda na década de 1970, a feminista Laura Mulvey (1983) constatou a forte presença masculina na produção cinematográfica dominante, que levava à criação de filmes inclinados para a satisfação de um público também masculino. O cenário derivado dessa dinâmica é um cinema falocêntrico, no qual a mulher ocupa principalmente o posto de objeto de desejo, assumindo a função de satisfazer o espectador masculino desinteressado na valorização da mulher. Infelizmente, tal cenário não mudou tanto assim.
Rüsen argumenta que “o narrar passou a ser práxis cultural elementar e universal da constituição de sentido expressa pela linguagem” (2001, p. 154). Diante disso, sugere que se investigue como diferentes linguagens se apropriam deste processo de constituição de sentido, que é próprio da história e sua narratividade, promovendo a ampliação dos suportes de cultura histórica. Nesse processo, também são significadas as construções de gênero, que passam a orientar ou estimular, por consequência, novos discursos e práticas no âmbito social.
Maristela Carneiro é bolsista PNPD pela UNICENTRO, junto ao Programa de Pós-Graduação em História. Doutora em História pela UFG.
REFERÊNCIAS
BLOCH, M. Apologia da História ou o ofício de historiador.Tradução André Telles. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.
BORDWELL, David. On the history of film style. Massachusetts: Harvard University Press, 1997.
BURKE, P. Testemunha Ocular: história e imagem. Bauru: EDUSC, 2004.
BUTLER, Judith. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2013.
FERRO, M. Analyse de film, analyse de societés. Une source nouvelle pour I’histoire. Paris: Hachette, 1975.
FERRO, M. Cinema e História. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2010.
GOMES, P. E. S. Cinema:trajetória no subdesenvolvimento. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
LAURETIS, T. Tecnologia do Gênero. In: HOLLANDA, H. B. (org.). Tendências e impasses: o feminismo como crítica da cultura. Rio de Janeiro: Rocco, 1994.
MATOS, M. I. S. de. Âncora de emoções: corpos, subjetividades e sensibilidades. Bauru: Edusc, 2005.
MULVEY, L. Prazer visual e cinema narrativo. In: XAVIER, I. (org.). A Experiência do Cinema. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1983.
NAPOLITANO, M. A escrita fílmica da história e a monumentalização do passado: uma análise comparada de Amistad e Danton. In: CAPELATO, M. H.; MORETTIN, E.; NAPOLITANO, M.; SALIBA, E. T. (orgs.). História e cinema: duas dimensões históricas do audiovisual. São Paulo: Alameda, 2011.
NICHOLSON, L. Interpretando o gênero. Revista Estudos Feministas. Florianópolis, v. 8, n.2, p. 9-41, 2000, p. 14. Disponível em <https://periodicos.ufsc.br/index.php/ref/article/view/11917>. Acesso: 12/09/2016.
ROSSI, T. “Representações” de gênero em imagens: contribuições metodológicas de uma sociologia do cinema. Repocs. V.14, n.28, jul/dez. 2017.
RÜSEN, J. Razão histórica. Teoria da História: os fundamentos da ciência histórica. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2001.
SCOTT, J. Gênero: uma Categoria Útil de Análise Histórica. Educação e Realidade.Porto Alegre, v. 20, n. 2, p.71-99, 1995. Disponível em <https://repositorio.ufsc.br/bitstream/handle/123456789/1210/scott_gender2.pdf>. Acesso: 10/09/2017.
Considerando a complexidade que as discussões sobre gênero e sexualidade estão tomando no Brasil, em que professores são perseguidos por trabalharem essa temática em sala de aula, como os filmes históricos podem ser utilizados no ensino de história, para auxiliar os professores a problematizar as relações de gênero?
ResponderExcluirLeitora: Bruna da Silva Cardoso
Oi Bruna! Os filmes trazem variadas representações das relações de gênero, vividas historicamente. Muitas foram as análises feitas na perpectiva de gênero, observando os estereótipos femininos e masculinos, as relações de desigualdade e poder, as diferentes estratégias em filmes dirigidos por homens e mulheres, dentre outras possibilidades. Independente da abordagem e do interesse, desde que bem amarrado com o planejamento docente e com o conteúdo histórico a ser trabalhado, o cinema permite a construção de uma visualidade que brinca com o real e o ficcional das relações de gênero, e com isso estimula o debate histórico. Na atual conjuntura, é essencial que se trabalhe com as relações de gênero associadas à historicidade e que, nos diferentes conteúdos (escravidão, mundo do trabalho, diferentes sociedades) se observem essas relações - ainda que não exclusivamente. Acredito que os filmes contribuem muito para materializar essas percepções.
ExcluirComo o professor pode utilizar um filme de Gênero na sala de aula sem “agredir” as ideologias dos alunos que são contra a questão ?
ResponderExcluirGrato...
Felipe Cavalcante Preá
Oi Felipe! Um filme não é "de gênero". A abordagem pode ser realizada pedagogicamente nessa perspectiva. É fundamental que se explique em sala o que efetivamente significam as relações de gênero, se for o caso trabalhar nesse viés. E depois que não se trata de doutrinação ideológica e afins, mas que essas relações são travadas historicamente e que representam uma parte relevante de como as diferentes sociedades se constituem, espacial e temporalmente.
ExcluirEm muitas adaptações cinematográficas de fatos históricos, são desconsideradas algumas singularidades da sociedade da época, por exemplo, em alguns filmes que tratam da peste negra, demonstram os indivíduos com a doença, porém demonstram eles com uma higiene exemplar, com todos os dentes na boca, como dialogar a respeito da falta de informação desses assuntos no filme com os nossos alunos? E em que casos devemos considerar fundamentais a demonstração desses tipos de situações?
ResponderExcluirHugo Cezar Alves
Penso que por isso é importante apresentar o filme como uma representação da época em que foi produzido, tanto quanto da época retratada. Afinal, por que essas informações são suprimidas ou alteradas? Porque se apresentadas sem filtros certamente gerariam estranhamento. E por que causariam estranhamento? Essa é uma discussão que pode ser desenvolvida na sequência da apresentação do filme.
ExcluirGostei muito do seu texto e das reflexões apresentadas. Eu estudo acerca das relações de gênero desde a minha graduação e tenho muita vontade de trabalhar com cinema e história. Quais livros e autores você recomenda para uma iniciante no assunto?
ResponderExcluirAssinatura: Vitória Diniz de Souza.
Oi Vitória, fico feliz com o interesse. Para começar, sugiro os seguintes referenciais: Cinema e História, de Marc Ferro; Cinema e História do Brasil, de Alcides Freire Ramos; Cinema brasileiro: propostas para uma história, de Jean-Claude Bernardet; e Critica Da Imagem Eurocêntrica, de Robert Stam e Ella Shohat. Tem mais alguns citados ao longo do texto. Boa leitura! :)
ExcluirObrigada!
Excluiro teste de bechdel evidencia como as obras de ficção mostram que as mulheres no cinema geralmente tem poucas falas que não são sobre homens,essa pauta deveria ser mais frequente no seculo 21, nos podemos citar isso a alunos sem ferir a mensagem do filme ou devemos apenas salientar isso em aulas sobre o feminismo ?
ResponderExcluirassinatura :willen barbosa de sousa
Oi Willen! Concordo contigo, essa e outras pautas (como a baixa presença de mulheres na indústria cinematográfica enquanto produtoras e diretoras) deveriam ser mais presentes e discutidas no século 21. Então, acredito que refletir sobre isso, a partir dos filmes (ou outras fontes documentais) que estivermos trabalhando, não fere o conteúdo histórico em questão, mas contribui para sua problematização. Além disso, é importante salientar que discutir gênero não significa necessariamente levantar uma bandeira de militância feminista.
ExcluirMuito boa a discussão do texto. Durante as minhas aulas tenho muito dificuldade na utilização de filmes que retratam a história do Brasil, pois muitos deles tem uma linguagem não adequada para o ambiente escolar e também com muitas cenas de sexo. Como utilizar essa produções nacionais ? E se existe alguma relação com o que foi citado no texto [...a feminista Laura Mulvey (1983) constatou a forte presença masculina na produção cinematográfica dominante, que levava à criação de filmes inclinados para a satisfação de um público também masculino...]?
ResponderExcluirassinatura: Suellen Gerlane da Silva
Com certeza, Suellen. O cinema comercial sempre foi majoritariamente produzido por homens e dirigido para um público masculino. Assim, como aponta Mulvey, é inevitável que muitos filmes, por mais que se voltem para questões estéticas e temáticas profundas, reproduzam os aspectos mais objetificantes do olhar masculino. Com efeito, isso ainda é comum em muitos filmes comerciais atuais. Penso que, por mais que seja necessário cuidado ao abordar tais questões junto dos alunos, é fundamental desconstruir este olhar "sensualizante", tal como outros olhares opressivos que o cinema e outras formas de audiovisual normalizam para o público que os aprecia.
ExcluirBoa Noite Maristela. Achei seu texto muito bom e pertinente com o ofício do professor. Eu trabalho filmes em minhas aulas e costumo fazer uma mesa redonda para saber o impacto que a obra causou nos alunos. Você indicaria outra forma de trabalhar os filmes para um melhor aproveitamento acadêmico?
ResponderExcluirOlá Iara. Gostei da sua estratégia também! Como respondi acima, os filmes podem ser usados como introdução ao conteúdo, e depois problematizados, ou é possível que se exponha a relação entre o conteúdo e o filme a ser trabalhado antecipadamente. Uma estratégia interessante é a elaboração de um roteiro de análise para que os alunos respondam sobre o filme - destacando aspectos que devam estar mais atentos, em conformidade com o conteúdo histórico a ser trabalhado: uma espécie de "ficha técnica" de reflexão histórica. É possível retomar algumas cenas pré selecionadas também, para promover o debate e a reflexão histórica. Ou de início trabalhar apenas com trechos: por exemplo, vários filmes representando comunidades indígenas de forma diferenciada, promovendo uma análise comparativa.
ExcluirGostei muito do texto, interessante observar como a cinematografia tem o poder de construir aspectos da história com o objetivo de perpetuar uma visão da lógica dos vencedores de uma determinada classe social. Como podemos em nossa prática de ensino evitarmos ações que reforcem esse discurso? Jairo Araújo dos Santos
ResponderExcluirOi Jairo, fico feliz com o interesse. É fundamental observar o filme enquanto produto da época em que foi produzido e enquanto produto de interesses particulares - tanto da visão dos roteiristas, diretores e outros profissionais diretamente envolvidos quanto de investidores, por exemplo. O mais importante é não usar o filme como ilustração, mas discuti-lo, questioná-lo, apresentá-lo como uma visão entre muitas possíveis. Assim é possível desconstruirmos olhares elitistas, sexistas e preconceituosos.
ExcluirSua abordagem é muito interessante! Você acredita que usar filmes históricos na sala de aula apenas pra ilustração de um contexto histórico pode ser "perigoso"? A medida que o mundo do cinema é regido por homens. A simples reprodução pode apenas reforçar os esteriótipos de gênero?
ResponderExcluirVocê poderia explicar mais sobre a passagem: "Existe uma relação direta entre os espaços de produção do conhecimento histórico e a constituição de uma racionalidade histórica."?
Obrigada desde já.
Victoria Katarina Cardoso Lima
Oi Victória! Os estereótipos precisam ser discutidos justamente porque sua reprodução é uma constante na mídia. Antes mesmo de travarem contato com eles em sala, os alunos já os testemunharam frequentemente nos produtos de mídia que consomem diariamente. Não penso que "fugir" deles em sala seja a melhor alternativa. Sobre a passagem: o pensamento histórico é construído, entre outras coisas, pelo que emitem os espaços onde o conhecimento histórico é fulcral, emanando dali para os ambientes que o filtram, por exemplo, na ficção.
ExcluirVocê acredita que filmes de teor histórico com mulheres em destaque como "As Sugragistas", ou mesmo "Garota Dinamarquesa" ajudam na desconstrução dos estereótipos de gênero ou apenas incita a criação de um modelo a ser seguido a partir desses? Por exemplo, em "O Sorriso de Monalisa" é mostrados duas faces muito interessantes, a da moça que se torna dona de casa por vontade própria e a que vai em busca de um trabalho, mas essa "opção" raramente é algo que se encontra, pois geralmente dá-se apenas uma visão. Qual seu posicionamento quanto a isso? Ajudam ou acabam estereotipados?
ResponderExcluirNatália Maira Cunha
Oi Natália! O estereótipo é inevitável em maior ou menor escala. Ocasionalmente o nível de nuance é maior, mas o próprio formato do filme acaba reduzindo a questão a algo mais esquemático que o real. Dito isso, penso que tais filmes fornecem uma boa plataforma de início para o debate, por mais que seja imprescindível atentar para os detalhes, desdobrar informações e desconstruir conceitos chave.
ExcluirBoa tarde, Maristela. A discussão proposta no seu trabalho é extremamente relevante na nossa sociedade atual. Entendo que o cinema tem o poder da empatia. Ao trasportar quem assiste a um certo cenário histórico, nos possibilita entender os aspectos da vida humana de uma certa época. Além disso, permite uma analise do próprio tempo e espaço que estamos inseridos. Essa ferramenta me parece essencial ao tratarmos de ensino de história. Entretanto, tendo em consideração os perigos de trabalhar filmes como prática pedagógica. Quais filmes e autores que propunham uma discussão saudável você recomendaria para serem usados em sala de aula?
ResponderExcluirCibele Raffaelly.
Olá Cibele. Muito bem, não estou certa de ter entendido completamente sua pergunta, mas penso que a palavra "saudável" é complicada. O espaço educacional deve estar preparado para acolher discussões sobre os temas da história e da mídia, que devem sempre ser discutidos cuidadosamente, sendo o tratamento dado ao tema a questão mais determinante na produtividade do debate. Reafirmo a recomendação dos referenciais mais clássicos citados no texto, como Ferro e Rosenstone. Além desses, especificamente sobre ensino de história e cinema, adiciono esta recomendação, que conta com roteiros de análise e inúmeras sugestões de trabalho:
ExcluirFERREIRA, R. de A. Luz, câmera e história! Práticas de ensino com o cinema. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2018.
Oi Maristela!!
ResponderExcluirtudo bem?
Além do analise que os estudantes fazem dos filmes e a discussão que se gera, você já tentou colocar aos estudantes fazerem suas próprias versões dos filmes? Para pensar na atualidade? Ou para ver as construções que eles fizeram após assistir o filme? Acho que pode ser interessante pensar na possiblidade dos estudantes constroem microfilmes, ou pequenos documentários autonomamente. Ou tal vez contarem suas próprias historias por meio desta ferramenta? O que você acha? bj!
Maria Isabel Giraldo Vasquez
Oi Maria Isabel! O seu questionamento é muito interessante para a presente discussão. Certamente uma das melhores formas de discutir a maciça onda de produtos audiovisuais que nos atinge constantemente, é encorajar os alunos a produzir seu próprio conteúdo - sempre de forma crítica e bem-fundamentada, evidentemente. Já tive oportunidade de conhecer trabalhos envolvendo produção de vídeo em alguns colégios, e é sempre uma experiência enriquecedora para os alunos em vários campos, desde a solução criativa de problemas até a criticidade sobre os produtos midiáticos.
ExcluirOlá, parabéns pelo belo trabalho.
ResponderExcluirGostaria de saber, se as produções cinematográficas que tratam de temas históricos devem ter por obrigação trazer uma abordagem histórica para o conhecimento dos espectadores, ou podr apenas ser uma maneira de entretenimento?
GABRIEL CORRÊA DA ROCHA
Olá Gabriel. Obrigada! Sua pergunta é muito frequente em discussões sobre cinema histórico. Na verdade, é um questionamento que costuma estar no centro destes debates. O cinema é uma forma de arte e um veículo de comunicação, e por isso é de se esperar que faça exercício de liberdades criativas para fins de melhor entreter ou impressionar o público. Também é compreensível que o discurso audiovisual, como qualquer outro discurso, expresse ideias de um ângulo específico, as quais podem ser muito enviesadas ou simplesmente carentes de fundamentação. Em alguns casos ainda, há poucas informações acerca do tema abordado, e os cineastas fazem um trabalho altamente imaginativo de preenchimento de "lacunas". Em todo caso, me parece que se o filme histórico deve se esforçar por equilibrar fundamentação, arte e entretenimento (caso contrário, acabará sendo mais uma peça de fantasia que histórica), cabe ao professor ser sempre questionador e não tanto desestimular o consumo de filmes históricos, mas de estimular sua apreciação de forma crítica e ponderada.
Excluirdiferença e a igualdade e as mudanças ocorridas nas relações de gênero sob o impacto do feminismo, da crise da masculinidade e demais transformações econômicas, sociais e culturais em curso. Toma como referência os estudos de gênero que buscam compreender os processos de produção de novas formas de subjetividade masculina e feminina, distanciadas dos tradicionais estereótipos de gênero. Conclui que tais mudanças apontam para a possibilidade concreta da construção de relações de gênero mais democráticas, ideal perseguido desde a modernidade, no casamento e na família, em que o direito à igualdade e o respeito à diferença são as pedras angulares.
ResponderExcluirUELITON DE JESUS SANTOS
Obrigado por sua contribuição, Ueliton. Realmente, nossa expectativa é sempre trabalhar em favor de uma sociedade na qual as relações de gênero se desenvolvam de forma cada vez mais justa, democrática e construtiva.
ExcluirBoa tarde Maristela ,
ResponderExcluirAprendi muito com o seu texto. Você poderia, por favor, indicar referências teóricas e filmes que podem ser utilizados para a abordagem das relações de gênero nos anos iniciais do ensino fundamental?
Abraço.
Andréa Giordanna Araujo
Olá Andréa! Encontrar material que possa ser trabalhado juntos aos anos iniciais do fundamental pode ser desafiador, já que filmes históricos são geralmente densos, repletos de personagens e informações. Assim, eu defendo o recorte e a transmissão de cenas selecionadas de acordo com o ponto que o professor deseja discutir. Um filme particularmente rico e visualmente interessante para essa prática (no caso de História do Brasil) é a animação Uma História de Amor e Fúria (Luiz Bolognesi, 2013). Filmes de "princesas" também são interessantes para se trabalhar relações de gênero, especialmente porque a ideia de que a princesa precisa de um príncipe tem sido revista - por exemplo, em Valente ou Frozen.
ExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirOlá, Maristela, gostei muito da discussão imposta no seu texto. Gostaria de saber quais filmes seriam recomendados para a introdução a conteúdos da aula de história da Grécia?
ResponderExcluirKarina Sousa Rodrigues
Olá, Karina! Muito bem, penso que a história da Grécia, embora seja uma das mais abordadas pelo cinema comercial, é uma daquelas que mais sofreu com falta de nuance e pesquisa. É válido notar que animações e filmes de comédia ou dedicados ao público infanto-juvenil, como a versão de Hércules (1997) lançada pela Disney, ou Astérix nos Jogos Olímpicos (2008) podem ser até mais ricos do que live-actions adultos, como Troia (2004) ou Fúria de Titãs (2010). O que importa é utilizar esses materiais de forma crítica e sempre questionar as representações.
ExcluirDentro da área do cinema há mais espaço e mais produções agora para o chamado filme documental, que coloca os historiadores, e outros especialistas, para construir a narrativa e tecer críticas ao longo da película. Não seria essa categoria então uma alternativa mais promissora para a sala de aula do que os filmes feitos em estilo clássico? Ticyana Silva Franco
ResponderExcluirOlá Ticyana! Pois bem, penso que uma alternativa não anula a outra, até porque ficção e documentário se enriquecem e ambos podem ter espaço no ambiente educacional. Dito isso, documentários também são frutos da visão de desenvolvedores, também são narrativas com seus próprios vieses, e também devem ser vistos criticamente. Além deste ponto, penso que não convém isolar a escola do debate sobre as mídias que trabalham com ficção, à qual os alunos estão muito mais expostos em frequência e intensidade. Tudo pode, afinal, ser exibido e discutido em sala, e tudo pode ser promissor, dependendo da abordagem do professor.
ExcluirOlá Maristela. Bastante relevante seu trabalho sobre a produção fílmica e sua importância nas aulas de História. Quero te questionar acerca da produção dos filmes que não possuem uma versão histórica e "de gênero" dos fatos, os filmes que são produzidos para conseguir conquistar grandes bilheterias no Brasil e no mundo. Com relação às questões de gênero, que, sendo o objetivo desses filmes ou não, surgem nessas produções. Na sua pesquisa, você consegue chegar a alguma conclusão sobre se esses filmes, "de massa", influenciam mais positivamente ou negativamente com relação a compreensão de gênero pela sociedade? Embora, na maioria das vezes, eles não sejam produzidos com esse objetivo de discutir os papeis de gênero?
ResponderExcluirAndrea Cristina Marques.
Olá! Bem, essa é uma questão extensa, que permeia todo o campo da comunicação e da produção cultural. Como as relações de gênero estão no cerne das relações sociais, é certo que essas relações deslizam para as mídias de entretenimento. Os problemas de gênero não deixam de existir se não os olhamos para eles, e o mesmo pode ser dito da mídia, e nossos alunos dificilmente escaparão da exposição a ela. Deste modo, cabe ao professor estimular constantemente o questionamento e a crítica, a fim de problematizar as visões naturalizadas de gênero que inevitavelmente invadem o meio do entretenimento, devido ao peso de sua presença nos veículos de comunicação.
ExcluirExistem determinados conteúdos nas aulas de História, como a Pré Historia, Antiguidade Clássica e Idade Média, em que o uso de filmes (quando bem analisados e discutidos suas falhas, generalizações e preconceitos anteriormente a sua exibição pelo professor) pode ajudar os alunos a entenderem melhor o contexto de vida dos ser humano nessas épocas. Mas como faze-lo sem cair na falácia usar o filme como substituição a explicação necessária do tema pelo professor e levando em consideração o curto período disponível de aula, além dos problemas infelizmente recorrentes nas escolas públicas?
ResponderExcluirAndressa dos Santos Freitas
Oi Andressa! O filme deve ser compreendido como qualquer outro material didático, inclusive com os riscos que isso implica, como o uso excessivo - vale aqui o mesmo que vale para o livro didático ou para os slides. Assim, convém que o professor particione a explanação em várias etapas, antes, depois e inclusive durante o filme, interrompendo a transmissão quando for necessário, de maneira que a película se integre de forma orgânica à aula. Também convém ter claro que tipo de trabalho será desenvolvido pelos alunos a partir do filme e como será o processo avaliativo envolvido, formalizando o processo.
ExcluirOla Maristela! Parabéns pelo texto!
ResponderExcluirAntes de mais, gostaria de indicar o podcast "Feito por Elas", que se trata das questões femininas relacionadas ao cinema, seja por produção, direção, abordagem de gênero, etc.
Com relação à situações metodológicas de utilização do cinema em sala de aula como combustível de reflexão sobre o conhecimento histórico, levando em consideração o reduzido tempo das aulas no ensino básicos e a duração dos filmes, você acha interessante a abordagem de exibir fragmentos dos filmes para que se possa fazer uma análise mais produtiva em aula?
Já que a exibição do filme em aula é recurso viável, qual o lugar da análise da linguagem cinematográfica neste processo e como o docente deve se preparar para este tipo de abordagem pedagógica?
att.
Ítalo Nelli Borges
Olá Ítalo! Agradeço a leitura e a indicação do podcast, eu não conhecia, vou ouvir certamente. Sobre suas perguntas, sempre defendo o uso do fragmento, já que permite uma forma relativamente ágil de abordar material audiovisual, especialmente quando tratamos de filmes mais antigos. Penso que é importante estudar sobre a linguagem cinematográfica antes de desenvolver trabalhos do tipo, de modo a se familiarizar com suas especificidades. A partir daí, torna-se mais viável apontar essas especificidades para os alunos, e o tipo de discurso que elas enunciam. Para este fim, eu recomendaria pessoalmente "O discurso cinematográfico: a opacidade e a transparência", de Ismail Xavier.
ExcluirPrezada Professora Maristela Carneiro, achei o seu texto muito bom, inclusive a parte teórica. É sobre ela que vou me voltar. Não acha interessante em suas pesquisas também dialogar com Judith Butler, ligada a teoria queer? Ela não poderá trazer novas questões?
ResponderExcluirAtenciosamente,
Silvio de Almeida Carvalho Filho
Olá Silvio, obrigada pela leitura. Sem dúvidas, Butler é uma das principais pensadoras quando se trata de estudos de gênero. Em função do recorte e da limitação do texto para esta mesa, entretanto, acabei não citando, mas os trabalhos dela costumam estar sempre entre meus referenciais.
ExcluirParabéns pelo trabalho. Muito bem articulado! Minha dúvida consiste em como trabalhar filmes sobre História Antiga em sala, levando em consideração que os mais modernos são super distorcidos e os da década de 60 - 70 são super eurocêntricos. Algum conselho em especial? Agradeço a atenção.
ResponderExcluirAna Maria Lucia do Nascimento
Bem, nenhuma representação é isenta de problemas, e é fundamental trabalhar isso com os alunos. Uma forma interessante de fazer isso é criar um jogo, como uma espécie de "caça ao tesouro", na qual os alunos precisam identificar questões problemáticas no filme, confrontando-o com as aulas expositivas, o livro didático ou outros materiais usados em sala.
Excluirparabéns pela apresentação fiquei muito satisfeito com os expostos. contudo, gostaria de saber: como romper com as formas de construção de discursos hegemônicos de gênero do passado, retratados no cinema; Sem perder a importância de histórica de se conhecer a visão daquele passado sobre o assunto gênero, para as futuras gerações que pretendem revisitar estes pressupostos?
ResponderExcluirÍtalo Bezerra Oliveira. Atenciosamente.
Olá Ítalo. Ainda que possamos romper com esses discursos (e eu espero que possamos mesmo), descontruindo-os e propondo alternativas mais justas e democráticas de relações de gênero e de sociedade, isso não elimina a presença desses e de n outros documentos históricos, que vão manter em sua tessitura vários aspectos dessas relações de gênero e que podem ser visitados e analisados a qualquer tempo.
ExcluirComo eu poderia desenvolver uma atividade utilizando o cinema nas aulas com crianças especiais ?
ResponderExcluirAna Cristina Paula da Silva de Holanda
Oi Ana! Pessoalmente, eu não tenho experiência na área para dar informações mais dirigidas, mas, como deve ocorrer com qualquer outro público, é importante experimentar e testar, examinando diferentes possibilidades em termos de formato, conteúdo e extensão.
ExcluirConsiderando o uso dos filmes em sala de aula, com o intuito de se discutir representação de gênero, quais filmes você sugere utilizar em sala de aula, tanto para o Ensino Fundamental, quanto para o Ensino Médio?
ResponderExcluirGeovana Peloi Mantoani
Oi Geovana! Para o Fundamental seria interessante buscar animações ou filmes mais acessíveis para o público juvenil, como os desenhos de Asterix. Como você pode imaginar, pela observação preliminar, filmes de heróis são sempre muito úteis para discutir percepções de masculinidade, por exemplo. Eu também não desconsideraria animações em geral. Para o Médio, é válido usar filmes que abordam a questão de forma mais direta, como "Que Horas Ela Volta?".
ExcluirTrabalhar com o Cinema na sala de aula é um pouco delicado, pois sendo este temático de história ou um filme hollywoodiano é preciso deixar claro a mensagem a passar, e se tratando de gênero é mais fácil buscar filmes que representem algumas situações que talvez somente lendo textos não é possível perceber mais ao ver a representação fica mais fácil. Sendo assim seria possível trabalhar uma temática tão complexa a partir da analise fílmica, entrando no universo do aluno a partir de suas próprios concepções?
ResponderExcluirVitoria Cristina Bueno
Oi Vitória. Pois bem, aí podemos perceber um conflito, uma tensão que precisa ser negociada: de um lado, o conceito de análise fílmica, que é uma atividade que precisa ser bem fundamentada, e o olhar pessoal do aluno. É fundamental equilibrar os dois, pois a observação crítica por parte do aluno deve ser encorajada, mas também se deve salientar que análise é sempre um exercício de critérios, que, se não for pautado por lentes específicas, resulta em uma opinião superficial.
ExcluirA proposta de usar produções fílmicas em sala de aula é de fato algo muito pertinente. Assim como qualquer outra fonte, precisa ser problematiza considerando seu contexto. Muitos "filmes históricos" podem ser pensados sobre que memória se queria preservar naquele momento de sua produção. Penso que as relações de gênero possam ser abordadas em qualquer gênero.
ResponderExcluirPercebemos agora que "as séries" parecem redescobertas e fazem muito sucesso. Poderia indicar referencial bibliográfico que discuta esse tipo de produção? Poderia ser analisado da mesma forma que os filmes?
Janaína Jaskiu
Olá Janaína! Sem dúvida, as relações de gênero permeiam todas as produsões da cultura visual. A diferença é que as séries são transmitidas e apreciadas num fluxo específico. EU recomendaria a leitura dos livros da Kristin Thompson sobre televisão.
ExcluirOlá. Sou estudante e estou aprendendo a me "alfabetizar" de modo imagético faz pouco tempo, com o auxílio do projeto que realizo no PIBID. Minha questão é: como didatizar, por assim, dizer a narrativa fílmica para as crianças do sétimo, oitavo ano, sendo as relações de gênero o conteúdo a ser abordado?
ResponderExcluirIago Bizatto da Silva
Olá Iago. Como referi anteriormente, para o Fundamental seria interessante buscar animações ou filmes mais acessíveis para o público juvenil, como os desenhos de Asterix, ou animações em geral. O mais importante é que você conheça previamente o material e tenha clareza de seus objetivos. É válido também utilizar fragmentos dos materiais audiovisuais para explorá-los mais detidamente.
ExcluirGostei bastante do seu texto. Parabéns. Os filmes são muito mais que ferramentas para discernimentos históricos, mas podemos também usá-los para expandir diversos pensamentos, culturais, sociais e ideológicos. Como poderíamos fazer isso sem parecer algum tipo de "doutrinação" ou "agressão" a quem estará assistindo?
ResponderExcluirLais Ingrid Santos Oliveira
Oi Laís! A abordagem deve ser pensada pedagogicamente. É fundamental que se explique em sala o que efetivamente significam as relações de gênero, se for o caso trabalhar nesse viés, e quais são os objetivos da atividade proposta, porque as relações de gênero (meu enfoque) são travadas historicamente e representam uma parte relevante de como as diferentes sociedades se constituem, espacial e temporalmente.
ExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirProfessora Maristela Carneiro, primeiramente parabéns pelo trabalho, minha pergunta é: Como trabalhar os tensionamentos das relações de poder e gênero dentro da narrativa fílmica nacional de cunho historico, em que frequentes obras, perdem muito tempo em longas explicações através de diálogos ao invés de aproveitar as potencialidades da linguagem cinematográfica. O que ao meu ver expõe um reforço da racionalidade linear da história de poucas facetas e/ou pela falta de
ResponderExcluirtécnicas e ferramentas narrativas acaba por duvidar da capacidade do público de entender o contexto histórico.
Obrigada, Isabela Bolzan Favarão
belainverno@gmail.com
Bem, infelizmente, toda obra é limitada, e parte do exercício de análise e de uso desses materiais, é desconstruir e ir além de tais limitações. Inclusive tais materiais podem nos auxiliar a justamente tensionar a racionalidade linear e a perspectiva eurocêntrica da construção do conhecimento histórico.
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